mas fica a impressão inconsciente de outros tempos,
e da tua imagem, no meu olho vesgo.
Vejo tudo em dobro, e assim a televisão
conta-me sempre coisas em demasia...
Vivo parado, vivo em correria
dentro da casa, fora, na rua,
longe de ti, perto da gente
transeunte e fria aos meus olhos desviados...
Minha visão é dupla, e meus gritos são silenciados
pela carne crua da TV, todos os dias.
E tudo se borra, de repente,
e me acomodo e agradeço a quase cegueira,
ao anoitecer, na sala vazia.
(Se tenho medo, disfarço e olho as plantas na janela, testemunhas verdes da perene indecisão.)
Sempre ponho os óculos, e os tiro logo, comovido.
Eles atrapalham-me e consomem o pouco de magia que ainda me sobra,
fazem-me ver com nitidez tudo o que não quero.
E se às vezes penso um pouco, a alma arrefece
e estarreço com o meu papel,
e o juízo falha, por ter desaparecido
a nitidez dos primeiros dias.
Sabes, querida? Anseio por perder a razão
pouco a pouco, ou de uma só vez.
Temo ter pra sempre a visão exacta e estreita
da realidade dessa minha vida,
da programação direccionada dos meus dias,
... a menos que, na minha tela antiga,
voltes a estrelar nosso show diário de variedades...
E te mostres em corpo inteiro, menos descabida,
mais singela, plena de luzes
e cores,
como nos vídeos, lembras-te?
Os nossos piqueniques nos fins-de-semana ensolarados,
quando éramos apenas apreciadores românticos
das nossas paisagens e cenários,
feitos com a tinta dos gestos,
e os meios-tons dos nossos corpos entrelaçados...
Alexandre MM Caetano
2 comments:
Estou impressionada... Lieralmente de queixo caído. Eu bem dizia que a "não rima" e a estrutura "informal" fazia com que o texto soasse mais natural. E resultou. É o melhor poema que já li teu... =)
sim. é verdade. concordo c/ tudo o q foi dito antes, o teu melhor.. até agora. ;)
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