Friday, October 29, 2004

A Morte

«Procurou imaginar como seria morrer, mas não conseguiu chegar a nenhum resultado.
De qualquer maneira, não precisava de se importar com isso, pois saberia daqui a poucos minutos.
Quantos minutos?
Não tinha ideia. Mas deliciava-se com o facto de que ia conhecer a resposta para o que todos se perguntavam: Deus existe?
Ao contrário de muita gente, esta não fora a grande discussão interior da sua vida. No antigo regime comunista, a educação oficial dizia que a vida acabava com a morte, e ela acabou por se acostumar com a ideia. Por outro lado, a geração dos seus pais e dos seus avós ainda frequentava a igreja, fazia orações e peregrinações, e tinha a mais absoluta convicção de que Deus prestava atenção ao que diziam.
Aos 24 anos, depois de ter vivido tudo o que lhe fora permitido viver - e olha que não foi pouca coisa! - Veronika tinha quase a certeza de que tudo acabava com a morte. Por isso escolhera o suicídio: liberdade, enfim. Esquecimento para sempre.
No fundo do seu coração, porém, restava a dúvida: e se Deus existe? Milhares de anos de civilização faziam do suicídio um tabu, uma afronta a todos os códigos religiosos: o homem luta para sobreviver, e não para entregar-se. A raça humana deve procriar. A sociedade precisa de mão-de-obra. Um casal necessita de uma razão para continuar junto, mesmo depois do amor deixar de existir, e um país necessita de soldados, políticos e artistas.
«Se Deus existe, o que eu sinceramente não acredito, entenderá que há um limite para a compreensão humana. Foi ele quem criou esta confusão, onde há miséria, injustiça, ganância, solidão. A sua intenção deve ter sido óptima, mas os resultados são nulos; se Deus existe, Ele será generoso para com as criaturas que desejaram ir-se embora mais cedo desta Terra, e pode até mesmo pedir desculpas por nos ter obrigado a passar aqui.»
Que se danassem os tabus e superstições. A sua religiosa mãe dizia: «Deus conhece o passado, o presente e o futuro.» Nesse caso, já a havia colocado neste mundo com plena consciência de que ela acabaria por se matar, e não iria ficar chocado com o seu gesto.»

Veronika Decide Morrer - Paulo Coelho (pp. 17 - 18)

6 comments:

Alexandre Carvalho said...

Gostei... ;) Suicídio e Religião são 2 dos meus all-time favorites themes... Espero é q tu n estejas com tendencias suicidas.. :( Isso seria mau...

Alexandre Caetano said...

Esse livro achei-o trágico, mas não me diz nada...

Susana Nunes said...

Claro que não estou com tendências suicídas, muito pelo contrário... ;) Mas este livro diz-me tanto (ao contrário de ao Sr. Alexandre Caetano), que em qualquer página que possa abrir ao acaso encontro sempre algo de extremamente fascinante. E para quem gosta de temas como o suicídio, a religião, a essência da vida, entre outros do mesmo género, acho que não há melhor, pelo menos que eu conheça... :P

Susana Nunes said...

E Obelex... Não acho que seja um livro trágico, muito pelo contrário. A história em si pode até começar por ser, mas a maneira como se desenvolve, e principalmente como termina, é extremamente positiva, pelo menos para mim. Faz-nos ver que, mesmo quando parece que chegámos ao fundo do poço e já não há como voltar atrás, afinal não é bem assim...

Alexandre Carvalho said...

A minha mãe até tem este livro, embora nunca o tenha desfolhado sequer... Quando quase nem tenho tempo para estudar, e tendo uma estante inteira cheia de livros q quero ainda ler e tb quase n lhes peguei, já ir buscar os livros da minha mãe... mas eu hei de, um dia, passar os meus olhos por ele, e telvez, quem sabe, inventar o tempo para o ler... :)

Anonymous said...

Boa Noite.É um bom livro ao meu ver, Paulo Coelho também esteve internado em uma clínica para pessoas " LOucas" entre os anos de 1965 e 1967.Neste livro da Veonika...ele decidiu passar a experiência dele a limpo.No romance depois da veronika tomar uma boa dose de tranqüilizantes, se põe a folear uma revista, enquanto espera pela morte: onde é a Eslovênia?Ela então decide escrever uma carta-suicidio para a editota de uma revista, para que as pessoas pensem que ela se matou por aquele motivo, enquanto os reais,que ela mesma não sabe nem nomear direito, ficam escondidos!O livro é uma saída para a proposta de uma loucura controlada.Paulo Coelho disse a respeito deste livro o seguinte:( Sobre a saída para uma loucura controlada) "Mas essa escolha do terceiro caminho ainda é muito pouco comum. É mais fácil ser simplesmente louco, cortar os laços com a realidade e fazer o que bem se entende. Já a ''loucura controlada'', que é o enlouquecer sem perder a posse sobre si, implica esforço, derrotas, erros, ferimentos, experiências que fazem parte da vida e das quais não temos como fugir. É o andar sobre o fio da navalha - e ninguém anda sobre ele sem se cortar, sem sangrar. Mas é o único caminho.
Tudo o que escapa ao controle social, ainda hoje, desperta o desejo de normalização. Mas é verdade também que as pessoas estão mudando, estão ficando mais lúcidas. Hoje elas não têm mais vergonha, por exemplo, de dizer que acreditam em Deus.
A amargura é um termo que percorre todo o livro e o autor disse o seguinte:Tudo na vida tem seu avesso. Mesmo a busca espiritual tem, hoje, um grande perigo. A religião pode tornar-se fundamentalista e então levar o mundo a retroceder até a Idade Média ou pode ser uma busca aberta, com liberdade, e fazer o mundo avançar mil anos. Tudo na vida é uma faca de dois gumes. É sobre essa dualidade que trata Veronika Decide Morrer. Mas, com medo da dualidade, de se ferir com o fio da navalha, as pessoas preferem não pegar na navalha. Elas têm medo de se cortar e por isso caem na amargura.
Amargura é a paralisia, a letargia. Você pode seguir todos os caminhos e não se definir por nenhum ou pode não seguir nenhum e cair na letargia, na indiferença, na apatia. Nas duas opções, você está abrindo mão de escolher, de se arriscar. É o que está acontecendo hoje.
Outro tema importante do livro é sobre a importância da consciência da morte e o autor disse o seguinte: " A consciência da morte está um pouco mais presente hoje, com a aids, as novas pestes, mas ainda assim a maioria das pessoas a continua negando, a maioria ainda acha que quem morre é o vizinho. Você só vive integralmente se conserva a consciência de que essa encarnação vai acabar. Só assim saboreamos cada momento, que é de fato sagrado. Só assim temos coragem para dar os passos decisivos. Mas o hábito de separar o sagrado do profano é muito antigo, vem desde a Suméria. Se eu sei que vou morrer, e não sei como, e estou com vontade de telefonar para aquela pessoa que me parece tão inacessível, eu vou, telefono e estou pouco ligando para o que essa pessoa vai achar. A consciência da morte está diretamente ligada à consciência da vida. É isso o que, em meu livro, o Dr. Igor faz Veronika ver - mas, por favor, não vá contar aos leitores o desfecho do romance. Por que Veronika decide morrer? Simplesmente porque ela não tem consciência da morte. Se tivesse, optaria pela vida.
Este livro vale a pena ser lido sim, parece até que foi escrito por um psicólogo e não por um místico!Nossa...exagerei na dose!Assim é bom que vale a pena compartihar e incentivar as pessoas a lerem!
Boa Noite.