Monday, August 22, 2005

«a arder»

«(...) Às vezes apetece-me gritar (até para mim própria, notem) Abri os olhos!, gente que passais a vida enfornados nos vossos assépticos apartamentos citadinos, cubículos de vaidade onde mal cabem os vossos egos insuflados. Abri os olhos, gente que se enoja ao primeiro salpico de lama e rebenta em erupções cutâneas à mera ideia do despontar da verdura primaveril. Acordai!, que a Natureza está a desaparecer e o futuro dos vossos filhos está a arder.
Convencei-vos de uma coisa: sem Ela por perto, nós somos nada - e não há cá plasmas, nem ipodes, nem pecês xispeteó, nem playstations, nem turbos último modelo que nos salvem, se teimarmos em renegá-la e em empurrá-la para o quintal do vizinho ou para aquela abstracção longínqua a que convencionámos chamar de campo.
Dá-me ganas, isto tudo. Alguém tem que pagar por esta desgraça. Não, não falo do retorno aos obscuros meandros medievais da vindicta privada (embora...) , mas sim da responsabilização efectiva. A responsabilização política, de quem ano após ano permite esta catástrofe, descurando a prevenção e desprezando as suas consequências (tratando com laxismo quem a provoca); e a responsabilização criminal, de quem larga o lastro do fogo por este país fora. Cá para mim, era prisão com eles: preventiva, primeiro e, depois, efectiva, por muito anos e bons.
E, se possível fosse, umas horitas na frigideira, à moda do Tarrafal - facto que talvez os dissuadisse de voltarem a pegar num fósforo nos tempos mais próximos. Mas pronto, já sei, isto é uim país democrático. Não há quem o governe, já lá dizia o Júlio César, mas não deixa de ser uma democracia, que não andámos a enfiar cravos nos canos das espingardas para nada.
Por isso (infelizmente), os incendiários têm direitos, os madeireiros e os patos-bravos, também, e os políticos, então, esses, nem se fala: têm todos os direitos, incluindo o direito às chamadas férias-avestruz (em que, enquanto descansam lá longe e no fresquinho, enfiam as cabecinhas na areia e fingem que não vêem) e o direito de gozarem indecentemente com a nossa miséria, anos após ano e de, não obstante, ninguém lhes partir as caras-de-pau, em directo e no prime time.
O que é pena.
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Por: vieira do mar.

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