Thursday, February 10, 2005

O suicídio

O suicídio, mesmo cometido em público, persiste como o mais misterioso acto do ser humano. Todos os anos, cerca de 600 pessoas se suicidam em Portugal e talvez umas 24000 protagonizem comportamentos para-suicidas, designadamente intoxicações voluntárias ou corte de pulsos, ao ponto de serem atendidas em Serviços de Urgência. Sendo dois universos populacionais distintos, parece que aqui e além se entrecruzam. Em ambos se anunciam pessoas sofridas por quaisquer mágoas. Em ambos se observa que provam o sabor amargo do desespero. A dor que não está limitada ao corpo. A solidão que não deixa ver horizontes. Se uns foram apenas interpretados como viajantes para a morte, outros quiseram tão só espreitar a morte longinquamente. Os primeiros evidenciam uma aparente maior determinação no gesto final, com menor probabilidade de reverter o destino escolhido. Os segundos, torturados pela ambivalência, exibem um jogo comunicacional de manipulação, como um xadrez de sentimentos envolvendo o próprio corpo. No fio da navalha, no risco de todos os perigos, às vezes entre a vida e a morte. Assim se manifestam desamparos e revoltas.
Em Portugal, do ponto de vista epidemiológico, o suicídio mantém o cenário de há decénios, a mesma dualidade do desespero. A Sul de Santarém: elevadas taxas de suicídio, em particular no sexo masculino acima dos 60 anos, com destaque para o Alentejo, um verdadeiro caso-estudo. A Norte de Santarém: baixas taxas de suicídio, muito à custa do Minho e do Grande Porto. O que também surge invariável ao longo dos tempos é a proporção do suicídio entre sexos (relação homem/mulher de 3:1). Em termos de prevenção, o facto de 30% de todos os suicídios ocorrerem após os 70 anos de idade poderá indiciar uma orientação específica, no sentido de contrariar tais determinantes. Na verdade, Portugal não tem o drama de outros países onde o suicídio juvenil é um problema sério. Ao invés, os números do para-suicídio mostram uma tendência crescente, acima da média europeia, principalmente nos adolescentes e adultos jovens do sexo feminino.
A Sociedade Portuguesa de Suicidologia foi fundada em 16 de Dezembro de 2000, mas desde 1996 que já germinava a ideia desta associação científica, a partir das 1as Jornadas sobre Comportamentos Suicidários, em Condeixa. Resultante da confluência de saberes e de investigadores de diferentes disciplinas à volta do estudo das condutas suicidas, a Sociedade Portuguesa de Suicidologia pretende-se desperta para essa realidade do quotidiano. Foi nesta perspectiva que em 21 e 22 de Março levámos a cabo o Simpósio “Solidão e Melancolia” no Instituto Politécnico de Beja. O dinamismo e da abertura desponta agora a construção e a divulgação deste “site”. Envolva-se, contribua com ideias.
Seja bem-vindo.
Professor Doutor
Carlos Braz Saraiva
Presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia

“O aparente bem estar de um jovem, nomeadamente o viver ‘tudo bem’, podem esconder um grande sofrimento interior, que só uma relação de maior proximidade poderá detectar. Estejamos, pois, atentos à nossa volta, para tentarmos evitar um gesto fatal. Se porventura ele acontecer, devemos interrogar-nos em silêncio sobre o que terá falhado e divulgar os serviços de ajuda já existentes no nosso país, de modo a evitar outras mortes”

(Daniel Sampaio, 1999, in revista Adolescentes, nº 11, ano 3, pág. 10)

"A autodestruição surge após múltiplas perdas, fragmentos de dias perdidos ao longo dos anos, rupturas, pequenos conflitos que se acumulam hora a hora, a tornar impossível olhar para si próprio. O suicídio é uma estratégia, às vezes uma táctica de sobrevivência quando o gesto falha, tudo se modifica em redor após a tentativa. E quando a mão, certeira, não se engana no número de comprimidos ou no tiro definitivo, a angústia intolerável cessa naquele momento e, quem sabe, uma paz duradoura preenche quem parte. Ou, pelo contrário e talvez mais provável, fica-se na dúvida em viver ou morrer, a cabeça hesita até ao último momento, quer-se partir e continuar cá, às vezes deseja-se morrer e renascer diferente."

(Daniel Sampaio, 2000, em Tudo o que Temos Cá Dentro, pág. 152)
Este artigo pois hoje uma tia minha suicidou-se. Não sabemos porquê, mas aconteceu.
Tia se respeitasses os que cá ficam, não farias isto. Ficámos tristes com a noticia, além disso, não havia razões para o fazeres. Talvez tivesses as tuas, mas não o devias ter feito. Não sabemos o que se irá passar agora com o tio que também já não está totalmente são. Veremos, e apesar de não concordar com a tua atitude, descansa em paz.

2 comments:

Susana Nunes said...

Quando comecei a ler o post, a primeira coisa em k pensei foi: "tenho de lhe dizer para ler Daniel Sampaio". Afinal não é preciso. De qualquer maneira lê o livro Lições do Abismo dele...

Alexandre Carvalho said...

bem, sinto muito, 1º q tudo... mas discordo de uma coisa q disseste no final... há sempre razões para o fazer... Infelizmente, já vivi uma experiencia desse género na 1º pessoa, e sei o q essa pessoa passa. Mas n q isso adiante estar a falar, nem eu me quero recordar. RIP