Saturday, October 16, 2004

Inacreditável

CANIBAL ATERRORIZA VÍTIMAS


Não quero ver ninguém. Deixem-me”. Do outro lado da cortina ouvem-se as palavras gritadas de Irina, de sete anos. “Está assim desde ontem”, lamenta a mãe. Um ontem a querer dizer quinta-feira, a mente marcada por um adulto que atacou a família à dentada, no Vale da Amoreira. E foi tudo bem perto da casa em que habitam, com o medo a marcar agora os dias e uma ameaça latente de sida e de hepatite B.
“O médico no Hospital do Barreiro disse-nos que o homem tinha sida, mas que o risco era pouco, mas a gente sabe lá”. Uma dúvida a marcar a família – Irina, de sete anos, a mãe, Yolanda, de 28 anos, e a avó, Gabriela, de 51. Marca-as como a outras quatro pessoas, todas atacadas à dentada por alguém portador de sida.

É a perplexidade a que se junta também a necessidade de fazer testes médicos, para despistagem da ameaça mortal. “Fizemos logo uns testes e estão marcados mais para dia 25 e no dia seguinte temos uma consulta”, explica, por sua vez, Vítor Almeida, um bombeiro dos voluntários da Moita que sofreu também um ataque à dentada já dentro da ambulância, quando levava o agressor ao Hospital do Barreiro.
Ainda ninguém percebe como foi possível tal coisa. Yolanda saíra à rua cerca das 13h00 de quinta-feira para ver o garoto de uns vizinhos do Vale da Amoreira. “Ia eu, a minha mãe e a menina e reparei num homem que em tronco nu fazia uma chamada por telemóvel”. Não ligou, até ver o homem lançar o telemóvel no chão, exasperado com qualquer resposta. O equipamento partiu-se, mas ele virou de imediato a fúria contra a Irina. “Não tivemos tempo para nada”. O indivíduo agarrou logo a miúda e começou a morder-lhe a barriga. Foi a loucura total. Mãe e avó nem acreditavam no que viam. “Ele parecia um canibal, um orangotango”, recorda Gabriela Fonseca. Avó e mãe ainda conseguiram pôr as mãos entre os dentes do agressor e a barriga da menina.
A garota conseguiu então fugir, batendo às portas e pedindo por socorro. “Mas ninguém nos ajudava”, lamenta a mãe de Irina. Um garoto acabou por lhe abrir a porta e o agressor fugiu. Mas não sem antes partir as vitrinas de uma pastelaria e de uma papelaria e dar uma nova dentada, desta vez num amigo que tentava agarrá-lo. “O homem tinha um mordedura mesmo na zona do umbigo”, salienta Vítor Almeida, que com o colega Lino de Sousa, chegou com a ambulância dos Voluntários da Moita.

EM LIBERDADE

Já então o estranho indivíduo tinha agredido a murro um militar da GNR do posto da Baixa da Banheira e partido o pára-brisas do carro-parulha. Imobilizado e algemado foi levado para a ambulância. Lá dentro iam Vítor Almeida e um militar da GNR, mas “numa curva mais apertada o guarda desequilibrou-se” e chegou ao alcance dos dentes do agressor, que tentou de novo a sua sorte. Vítor Almeida conseguiu puxar o militar, mas não se livrou de uma dentada de raspão num braço. E já no hospital os problemas continuaram: um cenário de confusão e tentativas de agressão. Mas um procurador adjunto do Tribunal da Moita tomou a decisão de manter o indivíduo em liberdade sem sequer ser detido.
Yolanda não se conforma: “Ele vai ficar em liberdade, já me disseram, então e agora? Se calhar vai querer vingar-se. Até tenho medo de sair à rua”. Os gritos de Irina não param: “Calem-se, não quero ouvir falar em nada. Calem-se”.

Correio da Manhã - 16 de Outubro de 2004

Nem sei o que comentar... Esquecemo-nos muitas vezes de que estas coisas realmente existem, de tão inacreditáveis que são. Se bem que o que é mesmo inacreditável nesta história toda é o facto de deixarem o homem em liberdade. Não consigo entender como é que é possível.

2 comments:

Alexandre Carvalho said...

A descrição é cinematográfica... nem sei que dizer...

Alexandre Caetano said...

A crise chega a todo o lado. Esta é uma das muitas hipoteses para nos livrar-mos dela. Ponham-se a pau, que qualquer dia somos 2... lolol