Tuesday, May 09, 2006

Por terras búlgaras - diário de bordo

25 a 30 de Abril de 2006

Após semanas de discussão sobre uma possível viagem atá à Síria, eis que me encontro em Plovdiv, a segunda maior cidade da Bulgária. Como sempre, à última da hora, muitas foram as desistências, tanto que a nossa coragem inicial acabou por esmorecer ao ponto de optarmos pela decisão mais fácil. Não que a Bulgária seja um país acessível para qualquer pessoa (basta pensar na dificuldade da língua), mas é necessária uma grande dose de auto-confiança para se atravessar a Turquia oriental, especialmente no contexto actual, tendo como destino a Síria.
Assim, malas e despedidas feitas à pressa, lá nos metemos no autocarro no sentido oposto, rumo ao que os turcos designam de Bulgaristan.
Preocupados com o facto de a chegada estar prevista para as 5h da manhã (que fazer a uma hora destas numa cidade, ou melhor, num país completamente desconhecido?), mal adivinhávamos que, de facto, só colocaríamos os pés em Plovdiv três horas mais tarde. E isto porquê? Porque quando chegámos à fronteira deparámo-nos (como é que não nos lembrámos disto?) com a infindável e incompreensível burocracia turca. Estas três horas a mais foram passadas precisamente na fronteira, às 3h da manhã, sem termos conseguido dormir praticamente nada e sem percebermos muito bem o que se estava a passar. Primeiro levaram-nos os passaportes, depois trouxeram-nos de volta, de seguida entraram no autocarro para os verificarem novamente, sáiram, voltaram para os levar mais uma vez, carimbaram-nos e, finalmente, trouxeram-nos de novo (e isto apenas para sair da Turquia!). Uma hora de espera para ser a vez da polícia búlgara nos levar o passaporte, trazer, mandar sair do autocarro, revistar o autocarro, mandar-nos alinhar no meio da estrada e abrir todas as malas e sacos, revistar todas as malas e sacos (superficialmente, porque a sério dá muito trabalho, tanto que a brincadeira quase deixa de ter piada), mandar-nos entrar, verificar e carimbar passaportes e, claro, esperar.
Se pouco ou nada tinhamos dormido até aí, pouco ou nada dormimos após entrarmos no território bulgaro. Primeiro porque o nascer do sol permitiu-nos desfrutar de algo que escasseia em Istambul: o verde da natureza. Depois porque a paisagem urbanística tipicamente pós-soviética é surpreendente. Edifícios monumentais no meio do nada completamente em ruínas e abandonados são uma constante. Casas e prédios com traços tão direitos que se assemelham construções de legos, dos antigos claro, e com cores tão desvanecidas e tão tristes que, por mais gente e carros que se vejam na rua, praticamente todas as cidades e vilas por onde passámos pareciam mortas.

Tal como as casas, muitas das viaturas são autênticas relíquias.

A chegada a Plovdiv não mudou esta primeira impressão. Apesar de surpreendente, algo parece ter morrido nesta cidade.
Para disfarçar o cansaço, decidimos começar por tentar descobrir onde tomar o pequeno almoço e como o pedir. Sim, porque o que torna tudo ainda mais estranho e mais confuso é a língua e o alfabeto que usam. Já não bastava ignorarmos completamente qualquer palavra em búlgaro, como ainda nos deparamos com tudo escrito em cirílico (tornando-se completamente impossível qualquer tentativa de leitura). Para culminar, até a mímica é traiçoeira: abanar a cabeça para os lados significa sim, enquanto que para cima e para baixo quer dizer não.


Apesar da maioria das placas locais indicarem direcções erradas, globalmente nunca estivemos perdidos.

Quanto ao pequeno almoço, descobrimos que o típico é mesmo café e cigarros, acompahados por uma banitsa. Dispensados os cigarros, o café (autêntico, não uma imitação barata como aquela com que nos brindam os turcos) e a bela da banitsa (uma espécie de folhado frito recheado com beyaz peynir, um pouco oleoso mas não se pode querer tudo) soube-nos divinamente.
Acabámos por vir a descobrir que em termos alimentares, a Bulgária é um caso digno de estudo: 50% das pessoas com que nos deparamos na rua ou estão com um café ou com uma fatia de pizza na mão (conheço alguém que iria adorar isto). Sejam 7h da manhã ou meia-noite. A pizza é vendida em quiosques, que se encontram facilmente ao virar de cada esquina e, apesar de alguma concorrência dos kebaps, é notoriamente popular. Pelo menos três razões explicam este fenómeno: é barata (cerca de 70 cêntimos cada fatia), é extremamente boa (quase caseira) e é gigantesca (uma fatia é quase o triplo daquilo a que estamos habituados em Portugal).
Outro fenómeno do género são os gelados: imaginem o que é pagar menos de 2€ por um gelado com cone italiano (três vezes mais largo do que o normal) e duas bolas, sendo que cada uma é também cerca do triplo do normal e não esquecendo que a possibilidade de escolha de sabores é variadíssima, incluindo Baileys! Em Portugal pagaríamos, no mínimo, uns 7 ou 8€.

Stand de gelados, Plovdiv.

Bem, como se pode imaginar, com tanta distracção mal houve tempo (e estômago!) para provar a comida tradicional búlgara. Mas, diga-se de passagem, alimentámo-nos que nem reis...

Resultado de quando se está mais do que satisfeito, após um gigantesco repasto, mas se julga que pedir um simples gelado como sobremesa não é nada do outro mundo.

Pondo de parte o tema da alimentação, tivemos oportunidade de assistir a um outro fenómeno bastante intrigante: o comportamento social feminino deste país. Globalmente, parece existir uma dominância da ideologia do "sexy" como forma de poder. Especialmente em Plovdiv, foi realmente estranho entrarmos num mundo em que a cada dois metros nos deparamos com um mulherão, sempre vestidas para matar, quer seja para trabalhar, quer seja para fazer desporto, quer seja para ir às compras, independentemente das idades (dos 15 aos 50!). Muitos dos restaurantes, por exemplo, só admitem empregadas relativamente novas, jeitosinhas (o que não é nada, mas mesmo nada, raro por estes lados) e que se revelem disponíveis para usar mini-mini-saias, um milímetro abaixo do nível das nádegas! Mais assustador ainda é assistir aos esforços que fazem para cativar o interesse de um estrangeiro...
À primeira vista, a Bulgária é um país de sonho para qualquer homem (não esquecendo que a vida é bastante barata), mas parece-me que tanto exagero rapidamente perde a piada, tornando-se apenas num triste espectáculo.
Relativamente às cidades em si, como é previsível temos tido dias bem longos, com caminhadas intensivas do nascer ao pôr-do-sol. Plovdiv e Veliko Târnovo são duas cidades simplesmente encantadoras, repletas de história e de simbolismo, com ruelas labirínticas em calçada recheadas com pequenas lojas de antiguidades e de artesanato. A primeira é realmente fascinante em termos de curiosidades. Com muito orgulho, uma cidade de sete colinas (como Roma), Plovdiv perdeu uma durante a era comunista, tendo sido destruída para abastecer a cidade de pedra. Segundo os costumes búlgaros, "honour it - with a tear in a beer, or over a banitsa - at the gaping-hole seventh hill site". Divertidíssimo (claro que tem de haver sempre qualquer referência ao álcool)... Para além disso, o grupo Byalo Bratstvo ("Irmãos Brancos", devido à côr das suas vestes) tem dado as boas vindas ao sol no topo da Colina dos Libertadores, todos os dias, ao nascer do sol, durante as últimas décadas! Não é para todos, não... Outro fenómeno curioso, é a estátua nas escadas centrais, em honra de Milyu, the great gossiper, que nos anos 80 e 90 ganhou fãs pelo seu "unsubtle listening-in to passers-by". Ninguém afirma que abraçar a estátua de Milyu dá sorte, mas a verdade é que todos o fazem!

"The Great Gossiper", Plovdiv.

Em Veliko Târnovo, o mais interessante é mesmo o velho forte, praticamente todo em ruínas, mas cujo recinto dá lugar a um incrível espectáculo de luzes, observável a partir de toda a cidade, pelo menos uma noite por semana (curiosamente, assistimos logo na primeira noite que passámos na cidade). Mais impressionante ainda é o renovado Complexo Patriacal no centro do forte. Uma igreja (se é que pode ser designado de igreja) das mais modernas que já vi, sem dúvida alguma. No seu interior, murais históricos, com pinturas muito próximas da arte de Dali, e um incrível altar suspenso fascinam qualquer visitante.


Complexo Patriarcal, observado a partir do forte, Veliko Târnovo.


Altar suspenso no interior do Complexo Patriarcal, Veliko Târnovo.


Quanto a Sofia, é uma cidade um pouco mais urbana, claro, com edifícios monumentais um pouco por todo o lado e onde se pode encontrar de tudo, até mesmo relíquias e velhos objectos nazis, numa feira de antiguidades. O que mais me atraiu foi, sem dúvida alguma, foi a igreja russa St. Nikolai (que por breves instantes nos fez pensar termos passado instantaneamente de Sofia para St. Petersburg).

Feira de antiguidades, Sofia.

Igreja russa St. Nikolai, Sofia.

Mais uma noite de pouco descanso e de muita burocracia na fronteira e estamos de volta a Istambul.

2 comments:

mikas said...

babe, até parece...é claro iria adorar!...agora tenho mm de realizar essa viagem! obrigada, a sério, pk já tinhapcs destinos por onde decidir! ;p
jinhus e seni seviyorum

Anonymous said...

Olá, boa noite! Gosto muito da Bulgária, estou sempre a pesquisar alguma coisa a respeito.Gostei muito da forma como esteve a se expressar sobre o país.Agradei imenso do vosso blog, é bem objetivo e prático.Esta de parabéns! Tenha uma ótima noite de soninho e parabéns também pela vitória de Portugal sobre a Holanda, um jogo emocionante, onde o juíz me pareceu querer prejudicar Portugal! venceu pois! Fez-se Justiça e que " Justiça"! Fique bem sim! Até...Até...