Sunday, February 19, 2006

Istanbul – Ankara (13 a 16 de Fevereiro)

Após um esforço considerável para tentar meter tudo o que é “necessário” para duas semanas numa mochila, partimos de Istanbul por volta das 23h15, praticamente com a casa às costas, em direcção a Ankara. Antes das 7 horas da manhã, sete horas e meia de viagem, já nos encontrávamos na Otogar da capital turca. Uma visão surpreendente mas, infelizmente, não pela positiva. Habituados ao exotismo e à excêntricidade de Istanbul, a desilusão é evidente perante os imensos edifícios de betão e o excesso de linhas rectas que os caracterizam. Já sabiamos que Ankara é maioritariamente constituída pelas instituições burocráticas, mas não imaginávamos que esse facto se reflectisse tão visivelmente na sua construção e organização urbanística.

Sendo ainda consideravelmente cedo, de tal forma que tivemos de esperar umas largas horas antes de podermos procurar um hotel onde deixar as bagagens, decidimos metermo-nos no Metro e dirigirmo-nos para o centro da cidade, na esperança de que este fosse um local um pouco mais humano e convidativo. Não poderíamos estar mais enganados. Ruas quase desertas, cafés e lojas praticamente ao abandono, um silêncio constrangedor para uma cidade tão grande. Simplesmente triste.
Para animar um pouco a nossa alvorada (e para ganharmos um pouco de energia para as grandes caminhadas que tinhamos em mente) resolvemos começar por um pequeno-almoço à la turka: peynirli börek (uma espécie de lasanha de queijo branco) e chá (que não poderia faltar, claro está), seguido de uma visita a uma das maiores atracções de Ankara: o Museum of Anatolian Civilisations. No entanto, embora não deixe de ser bastante interessante, não me parece que seja o suficiente para fazer juz a toda a sua fama. De qualquer forma, estando-se em Ankara, é um sítio que vale a pena conhecer (não sem antes ter de se escapar dos persistentes guias que pretendem ser pagos para nos lerem a informação em inglês claramente exposta em cada canto do museu).

Terminada a visita, lá encontramos um hotel baratito (depois do habitual regateio de preços) e com condições aceitáveis. Após um par de horas de descanso voltamos a sair e, incrivelmente, por volta das 5 horas da tarde, deparamo-nos com quase tudo a fechar. Umas voltas pela cidade e finalmente damos com vida e movimento num dos bairros: a zona de restaurantes e de bares. Jantamos (um belo de um peixe grelhado para tirar a barriga de misérias) e, à falta do que fazer, voltamos para o hotel.

Dia seguinte, 9 horas da manhã. Tudo a postos para visitar o verdadeiro ex-libris de Ankara: Anıt Kabir, o monumental (literalmente) mausoléu de Mustafa Kemal Atatürk. Para quem desconhece, Atatürk é um ídolo por estes lados. Foi uma das pessoas que mais contribuiu para a fundação da República na Turquia e foi o responsável por uma verdadeira reformulação da sociedade turca: após a declaração da República, em 1923, uma Constituição foi adoptada, a poligamia foi proibida, novos códigos legais, western-style based, foram instituídos, o casamento civil passou passou a ser o legítimo (em vez de o religioso), o alfabeto árabe foi substituído por um latim modificado, as mulheres obtiveram o poder de voto e passaram a poder pertencer ao Parlamento (1934), todos os turcos foram obrigados a ter um apelido (antes cada pessoa só tinha primeiros nomes, normalmente um, o que, como é de se prever, dava origem a inúmeras confusões e a sérios problemas), entre outras mudanças. Assim, ao próprio Mustafa Kemal, o Parlamento designou-lhe o apelido de Atatürk ("pai dos turcos"), como símbolo de reconhecimento.
Hoje em dia, principalmente no mundo ocidental, é grande o debate sobre o modo como Atatürk liderou o país. Muitos associam-no a um carácter dictatorial e ao nacionalismo (o que não é abertamente afirmado pela maioria dos turcos). Embora seja evidente (uma vista de olhos à Constituição de 1923 é suficiente para se perceber isso), basta olhar para os resultados para se compreender a gratidão do povo turco (é raro entrar-se numa casa ou num estabelecimento público onde a sua foto não esteja penduada na parede).
Relativamente ao seu mausoléu, é notório este reconhecimento: no topo de uma colina, que se avista em quase toda a cidade, o tamanho e a grandiosidade do monumento não passam despercebidos aos olhos de ninguém. Foram necessárias mais de 3 horas para o percorrer (o que não foi de todo um desperdício de tempo). Recomenda-se.

Após mais um almoço à la turka, kaşarlı pide (uma espécie de pizza de queijo em forma de barco, mas que os turcos afirmam não ter NADA a ver com pizza), ayran (uma bebida típica feita de iogurte natural, água e sal) e baklava (pequenos folhados com sabor a frutos secos), ganhámos coragem para a última caminhada, sempre a subir, até à citadela. E foi mesmo precisa esta coragem: ser apenas a subir ainda é aceitável, mas ter de o fazer com neve até aos joelhos e gelo nos caminhos mais percorridos (de tal forma que alguns momentos de patinagem artística tiveram o seu êxtase final com fabulosas quedas de cú), não é nada fácil. Felizmente, a vista compensou, não só pelas casas e ruelas antigas da cidade, mas também pela panorâmica da cidade, que nos permitiu ver uma das maiores mesquitas do mundo: a Kocatepe Camii.



Como era de se prever, o estado do terreno tornou a descida ainda mais complicada do que a subida, o que nos fez chegar a cidade já relativamente tarde. Por volta das 22h estávamos prontos para o mais que merecido jantar, mas, por incrível que pareça, já estava tudo fechado. Solução: Burger King e cama.
Dia seguinte, 6 horas da manhã: no Metro a caminho da Otogar. De partida finalmente, mas não sem antes termos tido problemas com o gerente do hotel. Fazendo de conta que não nos entendia, não só nos fez pagar por quartos com casa de banho privativa com banheira (quando eu ainda não vi uma única banheira desde que cheguei à Turquia), como ainda se "esqueceu" do preço acordado iniciamente. Lição aprendida: sucesso no regateio seguido de pagamento antecipado. Sempre.

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