Friday, June 03, 2005

A questão do aborto - na primeira pessoa

«Este post não é uma resposta a nada. É, apenas, uma história. Possivelmente como milhares de outras. Verdadeira. Como milhares de outras.
Acontece que te amava. Acontece que em cada momento em que parecia que, nem que fosse por fugazes momentos, irias alterar o caminho que escolheras, eu queria acreditar. Acontece que em cada um desses momentos, eu queria aproveitar a réstea de vida que te passava levemente pelos olhos e pelos gestos. Acontece que, em cada momento, em que te queria agarrar à vida e em que te queria agarrar a mim, nos amávamos. Acontece que um dia o DIU, por um qualquer acaso, que a ciência deverá explicar, não funcionou.
Acontece que fiquei grávida.
Acontece que os momentos fugazes passavam. Acontece que, de novo, voltavas ao teu caminho imparável, inexorável para o fim. Acontece que tinha uma casa para pagar e um emprego que não me dava para sobreviver. Acontece que eras totalmente dependente da heróina e a criança, poderia sair com graves problemas. Ou não.
Acontece que eu não aguentaria ter um bebé e continuar a lutar por ti. Acontece que havia uma parteira conhecida de uma amiga. Acontece que, numa fria Terça Feira de Dezembro, toquei à campainha e entrei.
Anos mais tarde, acontece que, de uma relação casual mas intensa, aí já sem problemas técnicos de DIU, mas por descuido ou contas mal feitas, fiquei grávida. Acontece que estava sozinha. A relação, sabia-o, não sobreviveria à opção de ter o bebé. Acontece que tinha o meu emprego, que, imaginava, que cortanto em quase tudo, daria para o criar. Acontece que sabia que a sua vinda e a sua vida só iria depender da minha força. Acontece que não tinha que ajudar a manter ninguém vivo, nem que ir parar aos bancos do Hospital duas ou três vezes por mês, nem que passar noites procurando nos bares, nos bancos de jardim ou nas valetas
Acontece que o meu filho nasceu.
Acontece que está ali e é feliz. Acontece que, tenho a certeza, se tivesse deixado seguir a minha primeira gravidez, não podia garantir nem a felicidade nem, tampouco, o sustento de meu filho.
Acontece que não me arrependo. Nem tenho remorsos. Acontece que sei que a Lei me puniria. Não fui violada, não corria perigo de vida, o bebé não iria, possivelmente nascer morto. Acontece que eu não aceito a punição.
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