Monday, June 27, 2005

«O homem que "leva uma passa"»

«Após ter estado sete horas a ser ouvido algures num tribunal de Lisboa, Artur Albarran aterrou sete minutos no Jornal da Noite, da SIC. O rodapé do jornal anunciava que íamos ouvir "toda a história contada na primeira pessoa". Não ouvimos grande coisa da história. Mas foi na primeira pessoa. Antes da entrevista a João Adelino Faria e Ana Lourenço, a SIC passava a foto da saída de Albarran do tribunal era assinada por um repórter da Caras. Criaram uma secção de justiça na Caras? Claro que não. Famoso é famoso e famoso é notícia. Em caso de divórcio ou de indiciação judicial.
No tom suave, sorridente e coloquial, em que se defendeu no tribunal de verdadeira instância, a televisão, o antigo jornalista não resistiu, aliás, a incluir um aparte sobre divórcios... Albarran o empresário reassumia-se como personalidade dos media. E não faltou a nota, à Paulo Portas, para os entrevistadores "João, eu já estive aí sentido", disse, sorrindo. O sorriso, não é preciso dizê-lo, remetia para outra faceta do antigo jornalista, a de defensor activo da saúde dentária.
Os sete minutos foram brilhantes. Nem lágrimas, nem protestos de inocência, apenas a frase lapidar se a justiça tiver razão, "devo levar uma passa". É a vantagem de ser alguém que já esteve algures no deserto - e, como ensinam Cristo e Maomé, não há como ter estado algures no deserto para estar mais perto da verdade.
Ao contrário de outros famosos, Albarran aprendeu a lição e desdramatizou o efeito de uma eventual condenação. Perante os espectadores a que se referiu como "o seu público", Albarran construiu a sua defesa contra a demonização ele subverteu o tribunal mediático (aliás, nem sequer desconsiderou o "circo" dos jornalistas à porta do tribunal). Se a lei o condenar, é só uma passa. Algures no seu juízo, a plebe autorizará.
E... Se Artur Albarran não fosse uma cara que toda a gente conhece neste país, teria havido aquele sururu todo na sexta-feira? Claro que não. Se se é conhecido, é-se conhecido para o bem e para o mal, não há nada a fazer. É notícia e acabou.
Mas quando a história irrompeu, dei comigo a ter uma sensação estranha de déjà vu. Já cansa este número dos famosos enjaulados, com uma tropa de jornalistas atrás. Inverteu-se o paradigma. Quando o processo Casa Pia começou, ainda era possível acreditar que estes processos a gente conhecida provavam a isenção da justiça. A repetição destes casos mostra que a justiça divulga-os para obter publicidade (quem disse que o tempo da Justiça não é o tempo dos media?). O famoso perseguido pela justiça ainda é uma notícia ou já é um género televisivo, como a novela ou o concurso? Fica algures por aí.
»

No comments: