Sunday, May 01, 2005

pág 28 e 29 de No dia em que fugimos tu não estavas em casa, de Fernando Alvim

"Escondo-me debaixo da tua cama para te sentir ao deitar. Vejo os teus pezinhos de lã a chegarem-se muito a mim e sinto a vontade de os trincar, mas nesse preciso instante eles elevam-see desaparecem do chão. Aqui a descansar as tuas pantufas, com dois coelhinhos nas pontas de orelhas pontiagudas, como que à espera que eu lhes segredasse algo que nunca tivesse revelado. Rio-me sozinho enquanto apagas a luz e sinto-te a beijar a almofada como se estivesses a cumprir uma promessa. Sorrio. Estou debaixo de ti como que debaixo do mundo e agora só ouço a tua respiração que lentamente me convence que entraste no reino dos sonhos, onde aí sim, tu sabes poder ser o que quiseres, sem que nada te possa impedir de fazer o que quer que seja, nem muito menos privar-te dos pequenos prazeres que encontraste no cimo das nuvens. O sonho. Entro no teu sonho por uma janelinha que abriste só para mim, como no «Tom Sawyer», em que se fugia a meio da noite para partir à aventura. E assim, fugimos os dois por um campo imenso, com caminhso muitos estreitos e sinuosos que se iluminam à medida que passamos e desaparecem quando olhamos para trás, como que a quererem dizer que devemos ir em frente. Paramos. Respiramos ou suspiramos, não sei. Olhamos definitivamente um para o outro como se nunca nos tivéssemos visto e procuramos encontrar defeitos físicos que sabemos de nada interessarem."

2 comments:

DaJe said...

Já há algum tempo q quero comprar esse livro. Este post só veio aguçar ainda mais essa minha vontade. Alvim, esse grande maluco esconde por detrás daquela figura por vezes patética, um belíssimo escritor. Basta ser da minha terra, tudo boa gente!! ;)
Bjs

Susana Nunes said...

Realmente tenho de ver se arranjo qualquer coisita dele. Conseguiste despertar-me a curiosidade...